Jornal do Psicólogo

Thursday, September 29, 2005

Alternativas ao sistema prisional são discutidas em seminário

Júnia Leticia

Para discutir de forma ampla e heterogênea o sistema prisional, com a participação dos poderes constituídos, iniciativa privada e agentes sociais, o Conselho Regional de Psicologia – 4ª Região, por meio da Comissão de Direitos Humanos (CDH), promoveu o seminário Sistema Prisional – Um questionamento ao modelo e desafios aos direitos humanos. O evento, realizado nos dia 17 e 18 de agosto no Instituto de Educação de Minas Gerais, teve o intuito de questionar os problemas do atual modelo prisional.

A conferência de abertura, intitulada Políticas Públicas e Criminalidade, foi proferida pelo doutor em Sociologia, coordenador do Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia e dos programas de mestrado em Sociologia e doutorado em Sociologia e Política da UFMG, Cláudio Beato. Segundo ele, o seminário é resultado de uma preocupação crescente do que fazer em relação à violência. Para Beato, primeiramente é necessário que se desfaçam alguns mitos que paralisam os fazedores de políticas que acham que não se pode perder tempo com estudos e avaliações para se compreender o grave fenômeno da violência. “Realmente os problemas são muito grandes, mas provavelmente ficarão piores por causa da nossa falta de compreensão sobre o que acontece”, ressaltou.

Antes de tudo, a conselheira do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rosimeire Aparecida, disse que o evento é mais um dos desafios que a Psicologia tem se colocado já há algum tempo. “Questionamos as prisões hoje, porque questionamos antes os hospícios. Essa evolução de pensamento crítico dentro da Psicologia tem nos colocado na vanguarda de temas que nem sempre são os mais cômodos de serem discutidos”, enfatizou. Com relação às prisões, Rosimeire Aparecida diz que apesar de o modelo “organizar” nossa sociedade, essa forma de pensar a infração não deve ser a única resposta. “Esse desafio é colocado no seminário. Devemos pensar respostas possíveis para aquilo que excede, transgride e infringe as normas”, lembrou.

Psicanalista, coordenadora clínica do Pai-PJ/TJ-MG e doutoranda em Sociologia e Política pela UFMG, Fernanda Otoni, considerou positivo no seminário a abertura para a pluralidade de opiniões. Com relação ao sistema prisional, a psicanalista apontou o modelo como fracassado, desde a sua criação. “Os encarcerados são miseráveis e o sistema de privação de liberdade promove silenciosamente a exclusão de indivíduos da sociedade”, ressaltou.

A desembargadora do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Jane Silva, disse que o crime é um problema social e como tal precisa ser resolvido na sociedade em que ele ocorre. “A pena de prisão foi considerada em uma época da humanidade como uma evolução da punição. Pensou-se em um determinado momento que o encarceramento poderia ser salutar porque os monges ficavam recolhidos às celas para melhor refletir e saírem de lá mais santificados”, ilustrou. Depois a pena de prisão passou a ser consagrada pela sociedade como uma forma de punição, esclareceu a desembargadora. “Entretanto, um dos fundamentos da nossa Constituição é a dignidade humana. Mas que república federativa é essa que coloca 80 pessoas em um espaço que mal cabem 10? Não foi a Constituição que deu dignidade aos homens. Os homens têm dignidade porque são homens”, ressaltou.

Participante da mesa Execuções Penais, a advogada, assessora da Comissão Pastoral de Direitos Humanos da Arquidiocese de Belo Horizonte e colaboradora da Polícia do Estado de Minas Gerais, Clarissa Duarte falou sobre os direitos assegurados pela Constituição Brasileira. “Somente o Estado tem o poder, o dever e o direito de julgar. No capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, ela diz que nenhuma lei pode excluir qualquer ameaça ou lesão da apreciação do Poder Judiciário. Excetuado aqueles casos, por exemplo, do julgamento do presidente da República, quando acusado do cometimento de crime de responsabilidade e outras raríssimas exceções, a regra é essa”, esclareceu. Para que os presos tenham acesso a seus direitos, Clarissa Duarte disse ser fundamental o acesso à Justiça. “Não existe desenvolvimento sem compromisso social”, argumentou.

A abordagem social das penas também foi levantada pelo advogado pós-graduado em Ciências Penais, juiz do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Alexandre Victor de Carvalho. “Temos de ser tolerantes para recuperar os indivíduos, humanizar a pena e melhorar a sociedade”, frisou. O juiz ainda alertou para o fato do sensacionalismo nos meios de comunicação. “A imprensa tende a esquecer-se das políticas públicas de saúde, de educação, além de não discutir o sistema penitenciário, fazendo um estardalhaço enorme sobre a gravidade de um crime e do autor do delito”, ressaltou.

O advogado especialista e mestrando em Ciências Penais, e professor de Direito do Instituto Doctum, Guilherme Augusto Portugal Braga, também fez referência à mídia. “Na sociedade de massas, a cultura da violência constrói o terror político através de imagens que difundem medo e horror”, informou. Segundo o advogado, os meios de comunicação, principalmente a televisão, assumem o papel de principal método de controle social. “Nada melhor para o exercício de um jornalismo que pretende informar com um mínimo de esclarecimento os fatos no calor dos acontecimentos, sem se permitir indagações relevantes, mas revelando uma clara estratégia de formação de um consenso”, opinou.

Proferida pelo bacharel e mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Filosofia pelo Fiele Universitaet Berlin, Oswaldo Giacóia Júnior, a conferência de encerramento teve o tema Privação de Liberdade: Razão, Ideologia e Exclusão. Ele fez um apanhado histórico do sistema prisional, apontando as configurações das relações de poder. “O surgimento do Estado-nação, a configuração moderna da soberania – que é característica ao mesmo tempo do poder regulamentar e disciplinar – e o surgimento histórico das delegações pertencem à mesma configuração histórica. A minha sugestão é que leiamos o fenômeno prisional precisamente do marco desses registros teóricos”, disse.

Humanização das penas alcança grande êxito

Um dos modelos que alcança resultados efetivos e satisfatórios na recuperação de condenados foi dado pelo desembargador e coordenador do Projeto Novos Rumos na Execução Penal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Joaquim Alves de Andrade. O desembargador explicou como a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), surgida em São José dos Campos (SP), em meados da década de 1970, funciona na recuperação de presos e proteção da sociedade.

As ações da Apac destinam-se exclusivamente a assistir o condenado nas áreas familiar, educacional, de saúde, de bem-estar, de profissionalização, reintegração social, recreação e assistência espiritual. Segundo o desembargador, a Apac é uma instituição da comunidade na qual não há intervenção dos governos. “Na minha opinião, as Apacs, mais que prisões, são escolas nas quais os presos não perdem sua identidade”, enfatizou Joaquim de Andrade.

Com a ajuda de voluntários, as Apacs têm mostrado resultados muito superiores às prisões convencionais. “Enquanto nelas, o índice de recuperação é de 91%, nas penitenciárias é de 15%”, informou. Outro ponto importante nas Apacs é a valorização do ensino. “Trata-se de uma escola de fraternidade, onde uns ajudam os outros. Na APAC de Itaúna, por exemplo, não há analfabetos. E os melhores resultados no Telecurso 2000 na cidade foram dos recuperandos”, comemorou o desembargador.

Após conhecer o trabalho desenvolvido nas Apacs, o desembargador Joaquim de Andrade está convencido que ninguém nasce bandido. “A família desajustada, a periferia, a falta de trabalho que acabam levando a pessoa ao crime. Nas Associações vemos que eles têm muita boa vontade para trabalhar”, verificou.

O trabalho das Apacs também foi elogiado pelo bacharel em Letras Clássicas e em Psicologia e doutor em Psicologia pela UFMG, além ? pela Psychologie e Psychologie Pathologique pelo Institut de Psychologie-Universidade de Paris, Célio Garcia. Segundo ele, o tratamento aos presos tem de começar pelo particular, assim como nas Apacs. “É através daí que o indivíduo se reconhece como parte da política total”, comentou.

Outra alternativa ao sistema prisional foi apresentada pela psicóloga, psicanalista, coordenadora do Programa Liberdade Assistida e aderente da Escola Brasileira de Psicanálise de Minas Gerais, Cristiane Barreto. “No programa, o acompanhamento é marcado pela prática de um debate democrático entre as famílias e os poderes envolvidos”, enfatizou. Um dos trabalhos realizados pelo programa abrange o suporte social e psicológico de adolescentes infratores.

O seminário também contou com a participação da Secretária de ?? Estado do Rio de Janeiro, Tânia Kolker. Ela abordou o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário, lançado em ??? pelo Governo Federal, que garante à população prisional o direito à atenção integral à saúde, que cria o sistema de financiamento e controle das ações de saúde do sistema penitenciário. “Essa nova política pode começar a escrever uma outra história no tratamento da questão prisional. Ao longo dos anos a prisões brasileiras foram se consagrando como filiais do inferno, em simples depósitos humanos”, verificou.

OLHO: O preso no Brasil é uma indústria. Essas grandes penitenciárias de segurança máxima que existem por aí são ótimas para o sindicato da construção civil, fabricantes de colchão e empresários fornecedores de quentinhas.
Desembargador Joaquim Alves de Andrade

Condições adversas de trabalho são discutidas no 1º SNPT

Júnia Leticia

Com o objetivo de estabelecer o diálogo entre diferentes segmentos sociais que participam das ações voltadas para a saúde do trabalhador, o Conselho Federal de Psicologia, os regionais e a Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional do CRP-04 promoveram o 1º Seminário Nacional de Psicologia do Trabalho (SNPT). O evento, realizado nos dias 28 e 29 de maio, no Instituto de Educação de Minas Gerais, reuniu psicólogos, estudantes, profissionais de diferentes áreas e trabalhadores para discutir a presença ou as ausências de políticas públicas relacionadas à Psicologia do Trabalho.

Saúde do Trabalhador – Olhares, escutas e ações: A Psicologia em diálogo foi o tema do seminário aberto pelo Presidente da CPTO, Humberto Cota Verona; pelo Presidente do CRP-08, Dionízio Banaszewski; pela Presidente do CRP-04, Marta Elizabeth de Souza; pela conselheira do CRP-06, Renata Paparelli e pela conselheira do Conselho Federal de Psicologia, Rosimeire Aparecida da Silva.

A escolha do tema para o evento deveu-se, segundo Humberto Cota Verona, ao crescimento do campo Psicologia do Trabalho no Brasil: “O seminário teve como objetivos promover o diálogo com outros segmentos e fomentar a discussão do tema Trabalho no interior da Psicologia. O resultado foi a altíssima qualidade do evento. Acredito que os psicólogos puderam ter uma idéia muito clara e abrangente desse campo. Espero, ainda, que o seminário tenha gerado nos estudantes de Psicologia o interesse pela área, para que eles possam provocar a introdução dessa disciplina nos currículos.”

“O 1º SNPT deu o ponta pé inicial, partindo exatamente da Psicologia, para que possamos começar esse debate e lutar para incluir, em paridade de condições com a Medicina e a Engenharia, o psicólogo na MR-4, da Lei 6.514, Portaria 3.214/78”, opinou Dionísio Bananszewski, Presidente do CRP-06 (Paraná). Mesmo com a existência de grupos que discutem a Psicologia do Trabalho, o Presidente do CRP-06 acredita que é necessário uma união muito forte de todos os psicólogos para levar o assunto ao conhecimento do Legislativo e pressioná-lo a fazer a inclusão. “Nada melhor do que espaços como esse para que possamos amadurecer a idéia, levá-la adiante e consolidá-la de uma vez por todas”, acrescentou.

Para o Coordenador Nacional do Programa de Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Marco Antônio Peres, as discussões que envolveram o seminário foram de fundamental importância: “A saúde do trabalhador tem como característica a interdisciplinaridade, pois mente e corpo não se dissociam nas relações de trabalho. Toda doença e agravo à saúde referentes ao trabalho estão relacionados com a mente e o espírito da pessoa, refletindo em impactos sobre a saúde física.” Arnaldo Marcolino, Assessor Sindical, integrante do Fórum de Saúde Mental e Trabalho/Plenária Municipal de Saúde do Trabalhador de São Paulo, acrescentou que o desemprego crescente levam à “coisificação” da pessoa, fazendo com que ela adoeça trabalhando: “O sonho de conquista do trabalhador desaparece quando ele é colocado em um lugar que não condiz com o que está no seu contrato.”

Uma das dificuldades expostas pelos palestrantes no seminário referiu-se ao nexo causal. “Existe ou não transtorno mental decorrente de condições adversas do trabalho? A polêmica já está instalada e nós estamos enfrentando uma série de dificuldades nesse campo. Os médicos e os juizes do trabalho se recusam a reconhecer o nexo causal quando os trabalhadores os procuram para denunciar sintomas que relacionam às suas condições de trabalho. A polêmica existe dentro do nosso próprio campo”, observou a psicóloga, mestre em Administração pelo Cepead e professora da UFMG, e especialista em Sociologia do Trabalho e doutora em Psicossociologia do Trabalho pela Universidade de Paris IX, Elizabeth Antunes Lima.

Vindo de Holambra (SP) para assistir ao 1º SNPT, o médico do trabalho Nicolas Schoenmaker ressaltou a importância de se focalizar mais o sofrimento mental. “O problema, freqüentemente, atinge trabalhadores em diversas empresas e tem relação com as condições de trabalho. Acho necessário maior vigilância, com a criação de ambientes sadios, tanto fisicamente, quanto mentalmente.”

OLHO

Uma empresa não pode ser socialmente responsável se não cuida, em primeiro lugar, de seu público interno, de seus trabalhadores. Eles representam a própria existência da empresa

Fernando Alves
Secretário Executivo do Conselho de Cidadania Empresarial e Voluntários das Gerais do Sistema Fiemg

BOX
Trabalhadores que fazem arte

Como é um dos instrumentos para levar o ser humano a abstrair-se, a arte teve seu espaço reservado no 1º SNPT. O artesanato produzido na Suricato – Associação de Trabalho e Produção Solidária de Belo Horizonte, painéis fotográficos intitulados O trabalho do carvoeiro, de Liliane Rosa e Osvaldo Afonso e os corais da SLU e SER-SÃ, de Divinópolis, mostraram como o trabalho pode ser um instrumento de crescimento individual e coletivo.

O Coral SER-SÃ, especificamente, mostrou como Serviço de Referência em Saúde Mental (Sersam), mesmo sem patrocínio, conseguem desenvolver, há seis anos, um trabalho de reintegração social por meio da arte. Com a música, os coralistas revelaram a força de seu trabalho.

Tuesday, September 27, 2005

V COREP cumpre meta de trabalho

Com um volume de 351 teses que discutiram temas como Políticas Públicas, Inclusão Social e Direitos Humanos e Exercício Profissional, congresso mostra o amadurecimento da categoria

Júnia Leticia


De 14 a 16 de maio, foi realizado o V Congresso Regional de Psicologia (COREP) da 4ª Região. O encontro, que aconteceu em Jaboticatubas (MG), contou com a participação de aproximadamente 150 pessoas, entre profissionais e estudantes de Psicologia. O V COREP teve como objetivo aprovar as teses que serão discutidas no V Congresso Nacional de Psicologia (CNP), de 17 a 20 de junho, em Brasília.

A junção do exercício profissional às respostas que a Psicologia tem a dar como profissão às necessidades e às urgências brasileiras foi um dos pontos destacados pelo Coordenador Geral do V COREP, conselheiro Jairo Guerra, para ressaltar a importância do encontro: “É necessário demarcarmos o compromisso profissional de nossa categoria com a mudança da sociedade. O Conselho Federal de Psicologia tem, nos últimos anos, tentado articular a ação profissional, com o compromisso social, compromisso com a sociedade brasileira e é por isso que nós estamos aqui.”

A democratização dos debates que envolvem a Psicologia foi ressaltada pela Presidente do CRP-04, Marta Elizabeth de Souza. Segundo ela, nenhuma outra profissão tem um processo eleitoral em que se escolhe antes o que quer que se faça para depois decidir quem vai fazer. “Nosso conselho, dentro das suas limitações e possibilidades, rompeu com a tradição de conselhos profissionais. Já extrapolamos e muito esse papel da legalidade pura e simples de orientar, fiscalizar a profissão e ser apenas um tribunal de ética. Temos que avançar e precisamos fortalecer as entidades da Psicologia, não para ganharmos espaço na sociedade de uma maneira corporativa, sectária, mas de forma solidária, parceira das outras profissões”, ressaltou a Presidente do CRP-04.

Além dessa peculiaridade dos CRPs, o amadurecimento da categoria, ao longo da realização dos COREPs, foi comemorado pelo Conselheiro Federal Francisco Viana. “Quando iniciamos essa brincadeira, lá por volta de 1989, achávamos que alguma coisa estava errada nessa estrutura, mas não tínhamos ainda uma certeza absoluta de qual era o caminho. Só sabíamos que a melhor forma era sentando para conversar. Não dava para continuar aquelas plenárias cheias de certezas absolutas, resolvendo os problemas da categoria. Então iniciamos essa brincadeira de congresso a cada três anos. Uma brincadeira gostosa, que dá um trabalho de cão, mas que tem a beleza e a gostosura de ampliar a participação, de trazer cada vez mais colegas contribuindo para pensar do que essa profissão precisa. Percebemos que vamos amadurecendo nas nossas discussões. Nossas propostas vão apontando a necessidade das políticas públicas no Brasil e, mais do que isso, um desejo do psicólogo de participar desse trabalho.”

A condução do processo democrático no V COREP foi outro aspecto salientado pelo Diretor de Políticas Públicas e Sindicais do Sindicato dos Psicólogos de Minas Gerais (PSIND-MG), Roges Carvalho dos Santos. “Desde o primeiro momento, o PSIND-MG elogiou o processo democrático com que o CRP desvinculou todos os trabalhos e termos que se concretizam nesse encontro. O Conselho Regional de Psicologia, durante todo esse tempo, tem procurado fazer e fez melhor do que qualquer outra gestão.”

Para a psicóloga e psiquiatra Miriam Abou-yd, participar do congresso reafirmou o compromisso da atual direção do conselho em direção à democracia. “Chama a atenção essa relação super democrática na discussão das teses, na sustentação das propostas. Além disso, percebi que as principais teses estavam voltadas realmente para os princípios, na defesa daquilo que o conselho há três anos vem sustentando.”

Interação entre os participantes – A inter-relação com profissionais que atuam nos mais diversos segmentos da Psicologia, bem como com estudantes, contribuiu para o crescimento dos participantes do V COREP, de acordo com Roges Carvalho. “Sempre entendi que a participação em todos os congressos, principalmente no COREP, é de grande importância, porque traz para nós, que somos profissionais, essa interlocução com a universidade, local onde se produz o conhecimento. É gratificante para esse encontro ter muitos estudantes porque demonstra o interesse do universitário em discutir os problemas da sua profissão, levando para a universidade idéias novas que podem possibilitar inclusive mudanças no próprio currículo escolar. Isso demonstra que os psicólogos têm interesse naquilo que sabem, que estão aprendendo e naquilo que vão fazer.”

Para Álvaro Miguel Silva Rodrigues, estudante do Centro Universitário do Triângulo (UNIT), a possibilidade de voz durante os grupos de trabalho é uma conquista muito grande da classe estudantil. “As discussões foram muito importantes para um novo pensar sobre o cenário no campo da Psicologia atual e futura para nós que vamos entrar no mercado de trabalho. Pudemos ver que há uma mobilização na Psicologia no sentido de reformulações e mudanças para que a profissão não fique defasada em comparação com as outras áreas das ciências da saúde”, destacou.

A possibilidade de contato com outras realidades foi um dos aspectos observado por Andréa Nascimento, membro da comissão gestora do Espírito Santo. “Eventos como este são importantes porque mostram para nós outras realidades. Isso possibilita a troca de experiências e traz conhecimento.” Andréa Nascimento disse, ainda, que o COREP é um momento em que os psicólogos podem ter noção do que é uma política de conselho. “Isso é muito bom pois são formados multiplicadores. Um vai mostrando para o outro que a categoria unida fará diferença na próxima gestão.”

Sociólogo discutiu urgências e necessidades brasileiras

Durante o V COREP foi proferida a conferência Urgências brasileiras e respostas às necessidades sociais pelo sociólogo César Benjamin. Ele abordou, fazendo um apanhado histórico, a constituição do país que remontou o Brasil colônia. A multiplicidade brasileira decorrente da miscigenação foi um dos pontos destacados pelo sociólogo: “Nós éramos um povo filho da modernidade, cuja identidade não era dada pela religião, pela raça, pela condição imperial... Essa cultura era uma cultura de síntese. Nós éramos antropófagos culturais.”

Em sua exposição, César Benjamin se deteve, ainda, no século XX, época em que o país realizou um movimento de crescente estruturação do seu mercado de trabalho, passando pelo “vírus da industrialização”. “Praticamente dobraram os seus contingentes de trabalhadores por cada década e o Estado brasileiro estava se constituindo na sua face mais moderna”, contou o sociólogo. Entretanto, lembrou que, nos últimos 20 anos o Brasil transitou da condição de uma economia de rápido crescimento para uma economia de baixo crescimento. “As conseqüências disso são dramáticas, porque sempre fomos uma sociedade desigual, produtora de pobreza, concentradora de renda e o que segurou o mínimo de estabilidade da sociedade foi exatamente esse crescimento”, ressaltou César Benjamin.

A diversão também teve lugar no V COREP

Momentos de descontração foram reservados para os participantes do V COREP. No primeiro dia de conferência, psicólogos e estudantes puderam apreciar um jantar com comidas típicas da Itália. Ao fim da Noite Italiana, um espaço foi reservado para que os congressistas pudessem divertir-se ao som do forró.

Na segunda noite do encontro, a diversão ficou por conta do churrasco. Os congressistas, reunidos em volta das piscinas do Hotel Fazenda Canto da Siriema, tiveram um momento de descanso após os trabalhos que envolveram o V COREP.

Urgências brasileiras é tema de conferência

Júnia Leticia

Militante do movimento estudantil em 1968, o sociólogo carioca César Benjamin passou à clandestinidade em 1969, durante a ditadura militar. Aos 17 anos – em agosto de 1971 –, foi preso e passou cinco anos na cadeia. Em setembro de 1976, foi expulso do Brasil. Durante seu exílio, viveu na Suécia, até 1978, quando retornou e reintegrou-se ao movimento pela redemocratização do país. Em 1979, após a anistia, César Benjamin participou da fundação do Partido dos Trabalhadores, do qual foi dirigente nacional até 1995, quando se desfiliou.

Em sua vida profissional, já trabalhou na Fundação Getúlio Vargas, na Escola Nacional de Saúde Pública, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. Atualmente, ministra aulas de Desenvolvimento Técnico para executivos no BNDES. Além de centenas de artigos, publicou os livros E o sertão, de todo, se impropriou à vida: um estudo sobre a seca no Nordeste (Petrópolis, Vozes, 1985, em colaboração com Sergio Góes de Paula), Diálogo sobre ecologia, ciência e política (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1992, terceira edição), A opção brasileira (Rio de Janeiro, Contraponto, 1998, nona edição), entre outros. Durante o V COREP, o sociólogo proferiu palestra sobre Urgências brasileiras e respostas às necessidades sociais, assunto que, devido à sua importância, se estendeu durante a entrevista.

Jornal do Psicólogo – Qual é a maior urgência brasileira?
César BenjaminEu começo a imaginar uma hipótese de que um dos elementos da nossa crise contemporânea é a crise da nossa própria identidade, que ameaça os fundamentos da nossa construção teórica que nos deu, em um certo momento da nossa história, a idéia do nosso sentido. Atualmente, nós vivemos em um vôo cego. Não temos mais o nosso respeito. Talvez essa seja a maior urgência.

JP – Qual é – ou era – a nossa identidade?
CBTivemos quatro obras, em seqüência, no intervalo de dez anos, que permitiram pela primeira vez a constituição de uma identidade brasileira. Gilberto Freire vai falar do nosso potencial cultural, Sérgio Buarque das novas condições de construção da cidadania, Caio Prado vai anunciar o sentido da nossa história e Celso Furtado vai tratar da modernização na nossa cultura. Com isso, e com a soma das contribuições dos demais autores da época, construímos, pela primeira vez, a idéia da nossa identidade, do nosso potencial, de nossos problemas e um certo controle sobre os movimentos culturais que nos faziam transitar pelo passado e pelo futuro. Essa é a melhor teoria que nós temos de nós mesmos. Quem éramos nós? Nós éramos um povo filho da modernidade, cuja identidade não era dada pela religião, pela raça, pela condição imperial... Era uma cultura de síntese. Nós éramos antropófagos culturais. Tudo que existia no mundo e caía aqui dentro, comíamos, deglutíamos e ficava um pouco no nosso próprio corpo. Um país que estava encontrando o seu jeito. Não era o jeito bretão, anglo-saxônico, branco. Era o seu jeito de ser moderno. Isso vai dar Macunaíma, no terreno mítico; isso vai dar Garrincha, no terreno real. Quem era o Garrincha? Era o sujeito que tinha tudo para dar errado. Fazia tudo errado dentro de campo e tudo dava certo.

JP – Atualmente, o brasileiro tem vergonha de si mesmo?
CBNão. Eu acho que o Brasil, ao longo de sua história, viveu um processo de construção da sua identidade e essa identidade está em xeque. Hoje, na crise brasileira, ela está sendo questionada e isso coloca para o povo brasileiro uma disjunção, uma necessidade de um posicionamento histórico diante de si mesmo. Decidir o que ele é e o que ele quer ser no século XXI: se um povo, uma nação solidária e soberana ou um mercado para o grande capital internacional.

JP – Com toda essa pressão, você acha que o povo brasileiro acabará reagindo?
CBSó há duas possibilidades: ou o povo brasileiro aceita que isso aqui não é mais uma nação, ou nós vivemos dessa experiência, vamos até à beira do precipício, vemos o que é a nossa desconstrução, o que isso acarreta e dizemos não, nós não queremos esse caminho, nós queremos ser nação. E essa discussão está sendo colocada pela história. Mas eu acho que nós vamos optar por ser nação, não temos outra saída.

JP – Há como prever o futuro social do Brasil?
CBNós não podemos compreender o sentido de uma crise antes. É o futuro que diz qual foi o papel da crise. A capacidade preditiva das Ciências Sociais é igual a zero. Tudo o que o cientista social pode fazer é organizar melhor os dados do passado para que a compreensão dessas experiências nos permita olhar o presente de uma maneira mais crua.

JP – Para o psicólogo, qual é a importância de uma conferência que discute esse tema?
CBAcho que abordei, durante minha exposição, questões de interpretação do Brasil e de identidade brasileira. Eu acho que os psicólogos, sendo profissionais da interpretação e da construção da identidade, teriam muita contribuição nesse debate.